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domingo, 30 de setembro de 2007

Cronica 1 - Enterrando Vovó - Com todo respeito




Olá! Cá estou para postar uma das minhas crônicas favoritas. "Enterrando Vovó"
Diante da morte de minha avó em 2005, me vi em pouco tempo fazendo coisas que julgava incapaz. Então para acabar com os mitos negativos que envolvem a morte, mesmo porque até então jamais havia me deparado com um ser humano morto, resolvi levar na brincadeira o lado tétrico da morte. O enterro. Minhã mãe, filha única estava desolada com a partida de vovó e eu para dar forças para minha mãe, enveredei pelo caminho da tragicomédia. Afinal como acreditamos na doutrina espírita, onde a vida é eterna, entendemos que para minha avó o desligamento de seu corpo era apenas uma consequencia benéfica após seus 85 anos de vida. Bem vividos até os 75. Mas depois desta fase vovó passou a sofrer com as doenças cronicas de sua idade ficando impossibilitada de se locomover. Acreditamos que onde quer que ela esteja está muito feliz de não estar mais presa a um corpo pesado e inerte.
Acho importante essa colocação, para que não pensem que agi de forma desrespeitosa a figura de minha avó, apenas relatei da forma como eu vi o enterro da minha avó, afinal jamais havia ido a um eterro antes e logo na minha primeira vez, tive que cuidar de tudo sozinha. Então espero que vocês também possam encarar a morte com respeito sim, mas como algo tão corriqueiro como a propria vida. Todos os dias pessoas morrem o ritual de passagem cristão é sempre o mesmo. Mecanizado, pois é dessa forma que nós humanos conseguimos superar muitas vezes a morte trágica de nosso entes. Felizmente minha avó morreu como consequencia natural dos acontecimentos da vida...
Abçs a todos Alessandra

Enterrando vovó.



É minha gente, funeral é uma coisa inacreditável.
Passar um dia no velório faz toda a diferença no futuro da humanidade.

Enfim, vovó faleceu. Morreu, bateu as botas, vestiu o terno de madeira!
Mas vovó deixou para trás três netos (Eu, minha irmã e meu irmão) e uma filha que agora está órfã.
Mas ela não pode se queixar do próprio funeral não. Foi até que bem organizado.
Na verdade eu organizei e acho que posso incluir no currículo mais esta façanha.
Afinal de contas, eu sou uma produtora de eventos e nessa de enterrar vovó acabei descobrindo que velório é um evento e tanto.
Então pergunto:
- Por que não colocar no currículo? Afinal, velório faz parte da vida tanto quanto casamento...
Acordei 1h da madrugada, mais ou menos meia hora depois que me deitei.
Sim, era uma quarta feira recém começada. Fui catapultada da cama pelo meu irmão de uma forma bastante condizente com a situação.
A criatura entrou aos berros no quarto, dizendo:
- Ale, levanta “aê” e vai ajudar a mamãe que a vovó morreu.
Alguma parte do meu cérebro entendeu as palavras morreu e vovó o resto foi se encaixando no meio da madrugada.
Olhei em volta e vi minha irmã roncando.
Meu irmão estava meio descontrolado e minha mãe, bem, mamãe tinha acabado de ficar órfã.
Perguntei-me
- Quem vai cuidar do enterro?
Encontrei a resposta no quarto ao lado do meu.
Mamãe tinha escolhido alguns modelitos para vestir minha avó.
Somente depois que vi um vestido psicodélico cogitando como opção foi que me dei conta que eu deveria cuidar do enterro.
- Gente, vamos com calma, a vovó vai ser enterrada, não vai para uma balada anos 70. Essas roupas não servem - disse eu com a maior calma do mundo, mas desatei a rir.
Fiquei imaginando minha avó no caixão com aquela roupa de losangos pretos e brancos... Realmente muito psicodélico para um enterro.
Vovó precisava de algo que se adequasse ao seu tamanho "queen size" então descolei um vestido bordô.
Era uma coisa bem chamativa, mas certamente caberia.
É claro que não se enterra ninguém de bordô, mas até que ficou chique, e cá para nós, dadas as circunstâncias, era isso ou a fantasia de pierrot apaixonado, cheia de losanguinhos.
Bem, a próxima etapa de um enterro é não esmorecer diante da idéia de ter que escolher a urna funerária. Trocando em miúdos, o caixão.
Fomos eu e mamãe ao Araçá as 2:30h da manhã.
Logicamente tínhamos que correr contra o tempo para não perdermos a sala do velório, pois das 8 disponíveis, apenas uma estava vaga.
Era pegar ou largar.
Os escritórios funerários estavam lotados. Eram quatro guichês e ao lado, numa salinha um funesto “show room” de caixões.
A parte mais cômica disso tudo foi escolher dentre todos os caixões o que mais combinava com a personalidade da vovó. Devo admitir que foi mais fácil do que eu pensava.
Também as opções fúnebres variavam da caixa de sapado gigante à urna com entalhes de madeira e esculturas de mau gosto em plástico dourado em cima.
Foi então que resolvi dar uma olhadinha dentro. Sim, alguns eram forrados, então o defunto poderia fazer uma viagem mais confortável para o além, outros viajariam ao além em caixotes de papel, ou de compensado... Enfim, do lado de lá isso pouco importa, mas deste lado aqui, importância tem o quanto vai sair do bolso de quem ficou.
Enfim, optei por uma urna descente para minha avó. Era de madeira escura e forrada por dentro. Em ordem de preço era a terceira mais cara. As outras eram terrivelmente horrendas.
De qualquer forma, a vovó colaborou para uma economia forçada.
Afinal ela não cabia no caixão escolhido.
Foi fácil mesmo esta parte, pois tivemos que encomendar um treco mais simples sem forração interna, pois, era o único que tinha no tamanho GG.
Eu jamais imaginei que pudesse ser tão incrivelmente sinistro encomendar um terno de madeira.
Isso sem contar os nomes.
Ah sim! Podemos escolher enterrar nossos mortos nas categorias nobreza (vovó), realeza e outras tantas com nomes igualmente bizarros. Só não reparei a qual categoria se encaixava o caixão de papelão. Seria por acaso categoria, plebéia? Ou quem sabe categoria indigente?
É terrível, notar que a discriminação vigora até nessa hora.
De qualquer modo, depois que tivemos que engolir o fato de que vovó só poderia ser enterrada na categoria nobreza resolvemos prosseguir. O único consolo foi notar que faríamos uma boa economia.
Estamos em crise! Essas coisas pesam no orçamento. Inclusive, penso que deveríamos pensar num seguro de morte também, afinal o fulano morre e a família que se enforca para enterrar... É de se pensar não é mesmo?
Bom, resolvemos escolher as flores então.
Flores para a decoração e flores para o caixão.
Sentamos no guichê três e logo o moço que nos atendia tirou de um envelope amarelado umas fotos igualmente amareladas com os modelos de coroas.
Ali tinham coroas para qualquer bolso. Optamos pela mais digna. Parecia armação de fantasia desses desfiles de carnaval. Estilo escola de samba. Vai-Vai... Até que tem a ver.
Ah, já ia esquecendo, o pacote incluía duas coroas grandes, dois arranjos pequenos e uma cruz de flores que não podia ser mais anti-arte.
Cafona é a palavra.
Eu não quero isso não meu enterro e tenho dito.
Bom, depois das fotos fui apresentada a um cartãozinho com algumas frases de impacto.
Claro, tínhamos que escolher duas para colocar nas coroas.
Li atentamente as frases enquanto minha mãe ao meu lado olhava para o além.
Resolvi criar minhas próprias frases, pois as do cartãozinho eram de um mau gosto ímpar.
Ainda no ritual floral, tive de decidir quais flores iriam cobrir vovó dentro do caixão.
As opções eram rosas vermelhas ou crisântemos brancos.
Vermelho não poderia ser, pois ela estaria de bordô, crisântemos é muito de defunto... Então pedi rosas brancas. Oras se tinham vermelhas, certamente encontrariam as brancas.
Apesar de que, para cobrir vovó teriam que desmatar um roseiral.
Faz parte.
Finalmente nossa funesta madrugada chegara ao fim. Sim a madrugada acabava, mas o dia começava a dar seus primeiros sinais de vida.
E a coisa toda estava só no início!
Voltamos para o hospital onde teríamos que aguardar o carro fúnebre.
Levamos o vestido bordô, e enquanto o carro não chegava voltamos para casa.
Mamãe tomou banho e eu mal consegui tomar café. Engoli uma banana e comecei a vasculhar as agendas antigas em busca dos telefones dos parentes e amigos.
Parentes eu encontrei vários, amigos alguns, pois a maioria já tinha ido fazia tempo.
Bem, ligar para as pessoas às 7h da manhã era realmente uma crueldade.
Liguei então para algumas pessoas e anotei os números para ligar mais tarde.
Voltamos então ao hospital, mamãe e somente ela poderia desembaraçar o corpo. Nos dirigimos ao Araçá para o velório.
Eu iria para um velório. Não estava acreditando nisso. Nunca tinha visto um defunto na vida. Nem mesmo o meu pai, que morrera antes.
Digamos que foi meu “debuts”.
Eram quase 8 horas de uma manhã de quarta feira quando cheguei ao velório de vovó.
Subi uma ladeira incrível a pé para chegar ao cemitério e fiquei ali prostrada na entrada, feito um dois de paus, esperando o pessoal acabar de enfeitar a vovó.
Abriram-se então as portas da salinha do velório.
Foi uma cena chocante.
Foi definitivamente uma cena chocante.
Preparada ou não, tive que encarar um caixão e ainda por cima com a minha avó dentro.
Não entrei. Peguei a lista de telefones e monopolizei o telefone publico. Liguei para todo mundo.
Depois caiu a minha ficha, vovó seria enterrada as 16 horas e eram 9 ainda.
O que eu faria nesse meio tempo?
É por isso que se chama velório. Velaria pela minha avó.
Que coisa mais esdrúxula.
Não tenho palavras para descrever a sala de velório do Araçá.
Um cubículo com um caixão no meio uma janela, um ventilador, algumas lâmpadas rodeando vovó em formato de chamas de velas, duas coroas gigantes ao fundo, e os arranjos menores apoiados na parte de baixo da urna assim como uma cruz capenga de flores no meio.
Ah, sim, algumas cadeiras distribuídas de forma estratégica de ambos os lados.
Parecia uma sala de visitas com vovó morta funcionando como centro de mesa.
Minhas suspeitas se confirmaram quando os primeiros parentes e amigos começaram achegar.
Eu ali, sentada na cadeira mais afastada justamente para não enxergar vovó encaixotada e o povo chegando e passando a mão na defunta.
Depois comentavam que ela estava bonita, bem maquiada, com sorriso nos lábios e etc...
Eu realmente desacreditei naquilo. De vez enquanto, para não parecer totalmente uma reunião de amigos, alguém se aproximava de vovó e fazia uma cara um pouco mais mortificada, mas no geral o velório da minha avó virou uma reunião de familiares que não se viam desde o enterro de papai.
Depois, sempre tinha a visita monitorada por mamãe que contava em detalhes as ultimas horas de vida de vovó sempre acrescentando o fato de que foi melhor assim.
E foi mesmo devo admitir.
Uma a uma as visitas iam se aproximando do caixão e fui capaz de ver algumas delas arrumando a defunta como se estivessem brincando com uma barbie.
Gente corajosa devo admitir, eu mal cheguei perto.
Depois apareceu um padre meio se equilibrando nas pernas para dar a ultima benção para vovó antes de fecharmos o caixão.
Foi emocionante, pois ele vivo parecia mais morto do que minha avó. Diria que foi mesmo um milagre ele ter conseguido salvar aquela alma.
De qualquer forma, precisava de seis pessoas para carregar o caixão.
Logicamente me abstive dessa tarefa, mas meu irmão representou a família com destreza.
Eu, trajando jeans e camiseta branca, realmente bem de acordo com o tipo de evento, segui o cortejo até a tumba da família.
Vi a ossada de papai numa caixinha branca e aquilo me deixou mais chocada do que a visão da minha avó sendo sepultada e fechada com tijolos e cimento.
E assim foi. Enterrei vovó e no final de tudo tirei uma foto minha juntamente com meu namorado de uma semanda e uma das minhas melhores amigas na saída do cemitério.
Eu precisava mesmo era de umas boas horas de sono.
No fim, deu tudo certo. Cheguei em casa exausta e apaguei na cama.
...zzzzz...zzzzz...zzzzz...zzzzz

Por Alesandra C. Maiello

Setembro 2005