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sábado, 29 de dezembro de 2007

Xenical: a fabulosa "pírula" para "ismagrecê"

Série: Assassinos da gramática
XENICAL: A FABULOSA “PIRULA” PARA “ISMAGRECÊ”!

Meu nome é Ângelo Antônio Orleans de Bragança, segundo o que dizem por aí.
Não, definitivamente não sou aparentado da família real brasileira. Orleans foi idéia da minha avó materna, pois nasci num dia em que a alguém da família real brasileira passou em Bragança, minha cidade natal. Quanto ao Bragança, vocês sabem, sou de Bragança, interior de São Paulo.
Meu verdadeiro sobrenome é Silva, o que me torna Ângelo Antonio Orleans Silva, como todo e qualquer bom plebeu brasileiro. Mas sempre fui conhecido por Bragança, na faculdade, acho que por causa do meu “R” arrastado e um pouco caipira. Lá era Bragança prá cá, Braguinha prá lá, Bragancinha ou Bragança mesmo.
Aos 20 anos saí do interior para estudar farmácia na capital, e me tornei um farmacêutico formado e feliz proprietário de uma pequena drogaria no bairro do Jardim Guedala, zona sul de São Paulo, a DROGA BRAGA!
Uma das coisas que mais me contenta é o fato de vender saúde. Penso que as vezes sou como médico, pois ofereço às pessoas a oportunidade de cura e de vida longa, desde que, tragam suas receitas. Na minha drogaria, remédio só com receita médica.
Meu estabelecimento está sempre de portas abertas, ali todos são bem vindos, nem que seja para um bom bate papo ou mesmo para uma subidinha na balança. E por falar em balança, pouco tempo faz, um fato inusitado aconteceu aqui na minha farmácia, bem debaixo das minhas barbas.
Desde que me conheço por gente, ou seja, desde sempre, nunca consegui entender o porquê da fixação das pessoas por espelhos e balanças! Não importa como se pareçam ou quanto pesem, todos, gordos, magros, altos, baixos, homens mulheres, sem exceção, sempre pulam numa balança ou dão aquela olhada de relance num espelho. Bem, na minha farmácia, todas as pessoas são agraciadas com uma bela balança bem em frente a um espelho enorme. Assim podem se pesar enquanto arrumam a roupa, ou pentear o cabelo enquanto se pesam, ou até mesmo conferir se perderem mesmo aqueles gramas indesejados.
Todos são bem vindos à minha farmácia, mesmo que apenas para uma visitinha sem compromisso à balança.
Sandra, uma fiel seguidora do culto às balanças e espelhos, todos os dias passava para se pesar. A primeira vez que isso aconteceu achei que estava tendo alucinações, aquilo não era uma mulher, e sim uma elefanta.
“Acho que ela (a balança) não vai resistir, pensei resignado”. Era sem dúvidas o fim da pobrezinha. Minha balança estava com os dias contados, ou melhor com as molas ameaçadas. Como era gorda a Sandra! Assim que subiu na balança pela primeira vez, senti passarem os vinte e cinco segundos mais angustiantes de toda a minha vida. Se eu já estava assim, imaginem a balança?
Como sabem uma balança de farmácia não custa barato, mas eu não podia pedir à moça que não se pesasse. Teoricamente a balança deveria suportar até 150kg, mas a julgar pelo tamanho, não saberia dizer quantos palitos a mais a balança precisaria para suportar Sandra. Depois, tinha toda aquela coisa da discriminação. Provavelmente eu pagaria mais para um advogado do que para regular a balança.
Olhei com compaixão para aquela obesa criatura e sorri. Talvez no futuro ela pudesse entrar e comprar um batom, ou algum medicamento qualquer. De fato era uma cliente em potencial. E que potencial!
Passaram-se duas semanas desde a primeira pesagem e lá estava Sandra novamente em pé toda sorridente sobre a minha balança. Não soube dizer porque, mas ela parecia muito maior do que da ultima vez. Fiquei assombrado, senti que precisaria ajudá-la de alguma forma. Certamente minha balança agradeceria.
Pensei então em me aproximar e assim que a moça desceu da balança fui logo perguntando:
- A senhora deseja algum medicamento?
- Olha seu moço, hoje eu “num to” precisando de nada não senhor, “brigada viu?”
Ainda sem acreditar em tanta banha, e em tão pouco português, continuei:
- Você mora por aqui? Sempre a vejo na minha farmácia - comentei coçando a cabeça, mais especificamente desorientando a minha adorada balança pensei comigo!
- Ah é! – Deu um sorriso sincero – Eu trabalho aqui ao lado sou faxineira diarista. Venho, limpo, pego meu troco e vou embora, uma vez por semana.
-Entendo... Bem, hã, se precisar de algum remédio é só falar comigo – Entreguei um cartão com o meu nome e telefone e acrescentei – Entregamos em domicílio também!
A criatura agradeceu e meio de lado atravessou o corredor da perfumaria em direção à rua.
Assim conheci a Sandra, entre uma pesada e outra descobri seu nome, o nome de seus sete filhos, o nome do marido, do cachorro, do ex-marido, da sogra e da cunhada que segundo ela era uma vadia. Descobri ainda que Sandra estava empolgadíssima com um regime novo e que não entendia nada de concordância verbal, pois tinha terminado apenas o primeiro grau.
Um ano depois, Sandra, aquela doce criatura obesa, acometida de um instinto assassino já observado anteriormente, cometeu um crime hediondo bem debaixo de meus bigodes.
Vou lhes contar como foi.
Na semana anterior, uma grande revolução farmacêutica acontecera, e eu, bem, como todo bom profissional do ramo não pude ficar de fora.
Ah sim, o acontecimento do ano! O lançamento do Xenical. Esse medicamento prometia transformar elefantes em gazelas, rei momo em mestre-sala, enfim, verdade ou não, estava triplicando o movimento das farmácias e drogarias.
No dia em que recebi o primeiro lote do Xenical, minha farmácia lotou. Na verdade, não eram tantas pessoas assim, mas em se tratando da relação entre massa, volume e espaço físico, bem dava para imaginar não é mesmo? Não cabia nem mesmo um mosquito na Droga Braga.
Todos os gorduchos da cidade estavam enfiados, sabe-se lá como, dentro do meu estabelecimento gritando pelo Xenical.
Dei conta de que aquela caixinha superfaturada tinha virado ídolo nacional, pelo menos entre os obesos, nem Romário poderia competir com aquela febre por uns quilinhos a menos.
Instintivamente guardei uma caixa de Xenical debaixo do balcão, não sabia por que, mas algo me dizia que era a coisa certa a fazer.
Realmente, descobri na semana seguinte, meus instintos estavam certos.
Sandra só apareceu uma semana depois. Sentira sua falta na semana anterior, quando a manada de elefantes invadiu minha farmácia em busca do elixir dos ex gordos, a caixinha de Xenical.
Sandra estava radiante naquela tarde, e para minha total surpresa estava com sua bolsa.
Fiquei apreensivo, conhecia Sandra havia um ano e ela tinha uma saúde de ferro apesar dos quilos extras, nunca comprara sequer um remédio.
Ali estava ela, mais redonda do que nunca, carregando uma enorme bolsa vermelha no ombro. Ao que tudo indicava faria uma compra. Era o mínimo que poderia fazer depois de ter desregulado minha balança inúmeras vezes durante o ano.
Entrou apressada e mal parou para se pesar. Ou desistira de perder peso ou perdera o juízo de vez. Desconfiei por um momento, aquilo realmente estava esquisito.
- Seu Braga, Seu Braga – berrou, abanando uma receita nas mãos – Eu quero aquele tal de Xenical – disse por fim, toda esbaforida debruçando-se sem muita classe sobre o balcão.
Céus, pensei, justamente quando ela queira comprar alguma coisa... O remédio tinha acaba...
Esperem, eu tinha uma caixa escondida, sim, debaixo do balcão, perto das chupetas... Isso mesmo, estava lá, bem à mão, a caixa de Xenical.
Sandra estava desesperada, abanava a receita de um lado para outro como se fosse um leque, gotículas de suor formavam-se em sua testa, sua bolsa pulava de ombro em ombro e eu, um pobre farmacêutico, ali, na mira daquelas banhas, pronto para ser fagocitado, não fosse meu sexto sentido, ou quem sabe meu instinto de preservação masculino. Na verdade, tinha a ilusão que Sandra um dia fosse precisar do tal remedinho que prometia milagres... Não era por nada não, mas só Deus e minha balança sabiam quanto desse milagre a Sandra precisava. Ela era uma pessoa decente, uma mulher carismática apesar de seus 140 quilos e dos erros de concordância. Gramática definitivamente não era seu forte, pobrezinha.
Saquei a caixa de Xenical e mostrei a ela, todo sorridente, não acreditando na minha sensatez, por ter escondido uma das caixinhas. Naquele instante fui golpeado. Senti minha cabeça rodar e rodar e quase caí no chão não fossem os flácidos bíceps da minha agressora.
Assim que voltei ao mundo real, depois de ter passado alguns minutos na companhia de seres mágicos, duendes, fadas, papai Noel, coelhinhos, passarinhos sobrevoando minha cabeça, deparei-me com Sandra, toda aflita que brandia sua receita na tentativa de me fazer voltar à vida. Aquela assassina, criminosa...
Eu sabia que ela tinha uma certa tendência para massacrar verbos e concordâncias, mas daí a assassinar a gramática? Bem na frente de seu ídolo, Xenical, na frente de outros remédios com nomes formais que como metilparapropileno, ou Fenoxazoleina, enfim... Nada pude fazer a não ser me levantar resignado.
Levei algum tempo para me recuperar é verdade, mas como dizem, não há nada como um dia após o outro
E os dias se foram com a velocidade de um trem desgovernado...
Nunca mais vira a Sandra, até que dias atrás ela retornou.
Sandra, que mulher! Que assassina! Tomou tanta pírula para ismagrecê que virou uma isgorda (ex gorda).
Não acreditei quando esteve aqui, aquela elefanta tinha se transformado numa “pirulona” de um metro e setenta e cinco, Isgorda, estonteante e muito, mas muito boa mesmo.
Lembrou-se do dia em que comprou sua primeira caixa de Xenical, do dia em que quase morri só de ouvi-la dizer:
- Seu Braga, será que essa pírula prá ismagrecê é boa mesmo?
Imaginem quando ouvi aquela gostosa, dentro daquele vestidinho laranja muito justo dizendo:
- Seu Braga, agora que ismagreci, vou vim menas vezes na sua farmácia.
Só sei de uma coisa, se Sandra é o genérico da Claudia Raia, prefiro o original que está lá em casa.